Há algum tempo atrás onde hoje começam e se estendem até áreas inexploráveis e desconhecidas de Runnel Boranz, duas civilizações se destacavam: o reino de Cenia e a tribo dos Surdris. Cenia possuía habitantes quase idênticos aos típicos humanos da Terra, porém, algo os diferenciava: eram mais inteligentes e, consequentemente, mais ambiciosos. Sem contato sanguíneo com qualquer força sobrenatural, louvavam um único deus tido como onipotente, Farfnir. Procuravam sempre crescer, se expandir e em poucas gerações já não era mais um reino com um exército, mas um exército com um reino. Em contra partido, lá estavam os Surdris. Humildes, crentes e ligados à natureza, viviam em pequenas vilas nas florestas ou mesmo em cavernas subterrâneas, porém, tinham aspectos únicos naquelas terras: a ponta de suas orelhas era levemente pontuda e nas costas das mãos surgia uma pequena pérola na cor azul, vermelho, cinza ou verde que representava a qual natureza eles possuíam mais afinidade. Sim, os Surdris podiam não ser tão ligados às facilidades que os avanços traziam para si, mas conheciam a fundo os mistérios da vida, da natureza e do sobrenatural, rezando para três deuses pagãos próprios. Tais diferenças não eram bem vistas entre os povos, especialmente para Cenia, que considerava os Surdris hereges e bárbaros. A coexistência entre as duas partes nunca foi de todo ruim naquele tempo, é verdade. Cenia se manteve até mais distante pelo preconceito e para si construiu uma imensa fortaleza, uma base. Sem sombra de dúvidas, Hegnigem era um dos maiores orgulhos arquitetônicos que já existiu na história. O castelo, é claro, se destacava, mas a cidade que se ergueu em volta dele era igualmente admirável. Uma muralha foi erguida em volta para conter seu crescimento exagerado e poucos dias depois de sua inauguração fora nomeada capital.
Durante séculos e mais séculos foi assim, apesar de algumas poucas desavenças escandalosas as duas civilizações se mantinham distantes, cada uma crescendo em seu canto... Até que eles chegaram. Visitantes de lugares longínquos que começaram a estabelecer moradia na cidade e em sua maioria eram mercadores, alquimistas entre outros tipos totalmente diferentes. Eram espetaculares, muito inteligentes e ricos também. Foi quando o monarca elegeu um dos mais famosos alquimistas que ali tinham chegado que tudo começou. Howard Blangat começou a infectar a mente dele com sua ganância, dizia que era mais fácil acabar de uma vez com a ‘praga’ dos elfos e conseguir para eles aquele conhecimento, assim iniciando as perseguições e torturas internas na cidade. Os murmúrios na sociedade élfica foram aumentando com o tempo, causando um grande desgosto com seu líder, Gorelboth, mas nada de fato acontecia além das ameaças que só serviam para divertir o agora Rei Lothir II e Howard. Blasfêmias eram ditas ao povo, insistindo que aquela raça só merecia a morte como salvação por sua mera existência e, em contra partido, os elfos tornavam sua magias ofensivas e os elementos naturais começaram a entrar em desequilíbrio. Foi numa tarde de primavera que, durante uma caçada, Lothir II assassinou às gargalhadas uma família de elfos que se perdera. Não sabia que por acaso a família assassinada era a dos sábios élficos e esse ato eclodiu na guerra. Sir Namish Mystertainn assim como outros de famílias grandes foram convocados imediatamente para servir.
Os Mystertainn sempre foram leais aos governantes, tanto que naquele tempo o povo dizia que com a família ali nada podia destruir Cenia completamente. Estavam enganados. Durante aquela guerra foi diferente, o bastante para manchar as páginas dos pergaminhos antigos com sangue inocente... Bem, pelo menos algum dele era. A guerra começou pela ganância e vaidade de Cenia, qualquer sobrevivente ou historiador pode admitir facilmente isso, mas aqueles Surdris também tinham sua culpa.
No início as tropas comandadas por Namish invadiam aldeias e pequenas cidades com facilidade e energia, já que a única ordem era: não façam prisioneiros, coisa que a maioria dos recrutas e baixos oficiais adoraram. O marechal era mais cauteloso, apesar de não se demonstrar menos sanguinário que seus subordinados. Sua espada, a Executora, era de gelar o sangue dos seus inimigos mesmo a léguas de distância, sua coloração tão negra como a noite quase refletia a essência da própria morte. Envolvida com uma corrente com uma cruz ao final, foi dito pelos padres que isso simbolizava que independente dos pecados em batalha, estaria perdoado. Era o pesadelo do qual ninguém acordava. Começaram a chegar a cidades maiores e aos poucos foi dificultando, a terra parecia engolir alguns soldados e lidar com as forças da natureza não era fácil, mas com certas perdas e sacrifícios conseguiam seu objetivo e ainda mulheres para violar. A situação dificultava na capital também, começavam a entrar em crise. Suas armas se mostravam efetivas especialmente em combates a curta distância, mas a investida sobrenatural dos elfos se mostrava igualmente eficiente e, talvez, até mais poderosa. Porém, foi quando, em desespero, que Cenia começou a recuar e cometeu seu maior erro: começaram a deixar a crença na ajuda divina de lado e realizavam seus próprios rituais sombrios em busca de uma ajuda maior e mais rápida. Bem, não se pode dizer que tiveram o que desejavam, mas tudo tem um preço. Poderes inimagináveis tomavam conta de tropas inteiras, fazendo com que se tornassem guerreiros que não conheciam a dor nem a morte; sacerdotes se uniam com espíritos malignos e faziam com que as maiores desgraças e maldições abatessem sobre a vida de quem ficasse em seu caminho. Não foi o bastante. Surdris revidou no mesmo nível e as batalhas viraram um completo banho de sangue. Agora, não era apenas o povo pagão que sofria com maldições e guerreiros possuídos, mas aquele que lançava pragas que consumiam cidades inteiras em poucos dias e também aquele que dava uma sede por sangue anormal às armaduras dos guerreiros, forçando-os não apenas a matar mais, mas a matar seus próprios companheiros procurando saciar a sede de sua armadura. Foi uma dessas maldições que se abateu sobre o pai de Laurell, Namish, enquanto esta ainda era um bebê de colo. Decapitado por sua própria espada, os dois últimos Mystertainn fugiram e foram se refugiar a léguas de distância da cidade condenada de onde todos os seus bens foram confiscados e seus títulos removidos após a execução de seu pai. Pouco mais que dois anos depois, ambos os lados se consumiram em pura destruição e deixaram a guerra sem um vencedor definitivo. As ruínas da tribo dos Surdris foi engolida pela terra e começou a ser habitada por seres de sombras e mesmo pro elementais que adquiriram de seus invocadores o ódio pelos seres vivos e a sede por vingança. Porém, o destino de Cenia foi mais tenebroso, especialmente o da capital. Outrora o grande orgulho de seus habitantes e suas gerações, Hegnigem hoje é um lembrete do que acontece quando se perde os escrúpulos. Em um cenário de total desolação e abandono, uma névoa vermelha e espessa se ergue como se a própria região se sufocasse por todas as mortes que ali ocorreram. Lá pode-se encontrar todo tipo de criaturas demoníacas ou sobrenaturais ligadas à escuridão, pois estas se aproveitaram da barreira tênue entre os mundos após o uso e a procura de tantos recursos sombrios em busca da vitória. Inabitável, ou pelo menos era o que se pensava.
Orys e Laurell fugiram para uma região extremamente distante da guerra e lá se instalaram. Orys Mystertainn era um menino que havia herdado os traços duros de seu pai, além da cabeleira castanha naturalmente rebelde. Durante a fuga adquiriu um talho que lhe marcou a cara, atravessando o olho e por pouco não lhe roubando a visão. Laurell ainda havia conseguido nascer na antiga Hegnigem, porém, alguns meses depois sua mãe fora assassinada em uma invasão e tendo o pai como uma figura de extrema importância no campo de batalha, fora criada pelo irmão sob o teto de uma família aliada, a qual os acompanhou na fuga quando Namish caiu. Tal família era os Berthold, que cresceram sob a fama que um casamento com um rico alquimista-burguês que fez sua fortuna e fama. Porém, assim como os irmãos eles agora não tinham nada. Orys e Aesknar, primogênito do patriarca Drake Berthold, foram mandados para o campo para criar gado e assim ambos desenvolveram uma virtuosa amizade, esta que beneficiou o herdeiro dos Mystertainn quando o patriarca da família aliada se tornou o Magistrado jurídico da cidadezinha, dando aos Mystertainn uma réplica do casarão que sua família possuía na antiga capital. Laurell, por sua vez, mal tinha idade para exercer algum trabalho mais esforçado, sendo encarregada da criação dos animais que viviam mesmo no quintal de ambas as casas, como ovelhas e cabras.
Foi na noite do seu 7 aniversário que, sonolenta pelas festividades ocorridas, simplesmente apagou na sala da casa. Com ruídos, porém, acordou. Sentia os pulsos presos e a visão embaçada lutava para se estabilizar. Os ruídos, por fim, se tornaram murmúrios que já quase conseguia decifrar, enquanto a visão focava a revelava formas que ela de longe sabia reconhecer, seu irmão e seu melhor amigo, Aesknar Berthold. O segundo parecia irritado e quase gritava com Orys, dirigindo-lhe insultos por incompetência. Tentou debater-se para se desprender, mas de nada adiantou e de troco só ganhou um olhar flamejante do Berthold. Este estendeu a mão para segurar-lhe o rosto e observou-o de cada lado, depois olhou para Orys, que apenas apertou as mãos que seguravam Laurell. Se debateu com mais força, mas o que podia uma menina de 7 anos contra dois de 16 anos? Nada... Nem tanto. Ao mínimo toque de Aesknar um grito profundo escapou de sua garganta, juntamente de uma onda fluorescente azul que brotara do seu corpo que mandou os dois meninos contra as paredes, deixando marcas de tão forte que foi o impacto. Orys não deu sorte, o pescoço foi contra o mármore da lareira e partiu-se, caindo sem vida no chão. O outro, no entanto, exibia hematomas profundos e um corte que quase arrancava-lhe a orelha, mas vivo. Ele apontou para a menina e gritou, enquanto corria porta a fora como se o próprio demônio estivesse no seu encalço. Laurell só conseguiu chorar e ficou ali, no meio de uma sala parcialmente destruída e o cadáver de seu irmão de sangue. Mais tarde, Drake, o filho e guardas chegaram no local. Todos olhavam com repugnância para a pequena e levaram-na detida como uma assassina. Dificilmente alguém julgaria uma criança de 7 anos como culpada, mas isso caso o filho do Magistrado não fosse uma das 'vítimas'. Laurell foi deportada em um veleiro, junto de outros vis criminosos, mas, pensando que o transporte fosse dar a volta e talvez até levá-la para casa, se escondeu até todos terem sido retirados. Não foi isso que aconteceu, nem de perto. Há pessoas que, mesmo não sendo criminosas, podem ser mais cruéis que a pior alma do inferno. Laurell sentiu seu corpo maculado entre os marinheiros, que não tiveram pena de acabar-lhe com a inocência. [i]"Eles só pararam porque deixei de gritar, pois era isso o que queriam." é como ela mesma descreve friamente. No fim, para que não lhes trouxesse problemas, perfuraram seus olhos e abandonaram-na no porto mais próximo. Cega e imunda, era como estava.
Assim, Laurell adquiriu a habilidade de transformar o mundo ao seu redor, mas não para melhor. É um pesadelo do qual ela mesma teme mais que a morte, incontrolável quando começa e traumatizante do terminar. Em um surto que teve, se viu nas ruínas de Cenia, onde se estabeleceu. Lá arrumou seu 'parceiro' fiel, o crânio que carrega consigo, ligando-se a ele e fazendo uso do mesmo para estabelecer controle sobre aquela energia que outrora havia salvado-a e ao mesmo tempo destruído tudo. Não tardou, é claro, para que os rumores sobre as relíquias que restavam naquele lugar chegasse ao ouvido de velhos conhecidos de viagem, que para ali seguiram. Um destino terrível tiveram, mas muito menos do que o merecido. Estavam na capela destruída quando aconteceu e, enquanto o mais velho se arrastava pelo tapete ensanguentado tentando em vão chegar aos pés de Laurell para pedir ajuda, ela não se moveu ou falou alguma coisa. Apenas escutou o som dos corpos sendo estraçalhados. No fim, fez uma cova para cada um deles, arranhando na pedra até os dedos ficarem banhados em sangue o 'nome' de cada um: "Traidor", "Profanador" e "Culpado". Foi nesta mesma tarde que do céu desceu um desconhecido, fazendo a proposta para que o servisse em troca de um desejo. Sem perguntar nada, retrucar ou mesmo dar espaço à figura, aceitou.