Lhäsfrein eos'Dasaförv

Ele passou as mãos por entre os detalhes da arquitetura das paredes, feita em madeira nobre escura e envernizada recentemente, possuindo um brilho lustroso e que acompanhava todo o teor do resto da construção. Pessoalmente, ele não havia visto nenhuma árvore na vida, e não podia mentir dizendo que a textura lisa e limpa do interior não o deixava levemente desapontado. No entanto, ele é retirado de seu silencioso momento de apreciação pelo início do... "ritual".

Uma fumaça negra começava a sair das paredes, reunindo-se no centro da sala principal e aglomerando-se em uma esfera que parecia se consumir e se construir ao mesmo tempo. As luzes acesas falhavam e voltavam a se ascender, e qualquer vela presente se apagara rapidamente. Uma imagem translúcida começava a se harmonizar no centro, ainda que nunca mostrasse com clareza total o que existia além, mas não era necessário: nos últimos meses o cenário exibido havia sido o lugar em que passaram a maior parte do tempo, na sala do Seven Lords.

- Suponho que algo tenha mudado, para nos contatarem tão abruptamente. - ele comenta, erguende uma sobrancelha.

Ele solta uma risada abafada pela afobação da companheira em suas perguntas.

- Rumores de quem? - ele pergunta, afinal, quem soubesse da existência deles não iria apenas desconfiar de algo, ou criariam os rumores ou continuariam nas especulações. - Já que deram o primeiro passo, vamos precisar adaptar nossa estratégia e tentar interceptar os próximos planejamentos que possam ter. Alguma atualização?

Ela roda os olhos para a risada de Celthric.

- Só quero dizer que os representantes de Thyrmëinn aparecem logo na noite em que o Rei é atacado? É a humanidade, vão no mínimo se questionar caso tenham algo a ver com o que houve. É da natureza deles. Terem medo do desconhecido. - Ela afirma, dando de ombros no final e aguardando por maiores informações.

- Você fala como se a humanidade fosse composta de um grupo totalmente distinto de si. Ou será que estpa preocupada com a segurança dos coleguinhas? - ela pergunta, com um sorriso se abrindo no canto do rosto. No entanto, ela bufa e revira os olhos ao escutar as novas informações, acariciando levemente com os dedos o espelho portátil guardado no bolso. - O que faremos agora? Lutar e amedrontá-los? - ela sugere, como se não fosse nada demais.

Por toda a extensão da conversa, Aristanae só havia ouvido, em silêncio. Não era de falar a não ser que lhe dirigissem a palavra, não era de seu feitio. Entendia o que a dama além do orbe falava, havia lido livros demais para não compreender, embora os efeitos práticos lhe fossem estranhos. Lembrou-se que não conhecia praticamente nada, e foi como se uma espada lhe atingisse no peito, como o cavaleiros fantasmas haviam feito diversas vezes em seu pedido.

Não, não ia se demorar nisso. Não agora.

- Um ataque aqui mostraria que somos maiores e mais perigosos do que imaginam. - Ela concorda, juntado as mãos nas coxas.- Temps convites de bailes esperando a serem aceitos, prontos para serem enviados para... socializarmos. - Repetiu o que a atendente de sua majestade havia dito.

Ele pondera o que foi apresentado, uma expressão carrancuda pairando sobre seus olhos que nem mesmo a sombra da boina do uniforme podia desfarçar.
"Não estavam preocupados com rumores? A melhor decisão vai ser exatamente dar fundamento a eles?" ele pensa, suspirando sem interesse de questionar, especialmente por estar tão longe de onde partiam as decisões - talvez, no final, ele fosse melhor em receber ordens mesmo.

- Os convites podem ser melhor utilizados como um alibi para nós, caso exista qualquer interesse em manter a fachada e evitar que reúnam forças contra nós. - ele comenta. - Mas... se por um lado dois nobres estrangeiros seriam facilmente reconhecidos, o mesmo não se aplicaria a dois estudantes da escola local.

Ela lança um olhar de soslaio para a Melisend, o canto dos lábios se curvando em um pequeno sorriso enquanto se reclina na parede, retirando a adaga com o cabo de conchas da bota e analisando sua lâmina. Finalmente iam sair daquela escola, parar de fingir serem estudantes e fazer algo significativo.

- Às ordens. - Afirmou enquanto com um movimento rápido guardou a adaga. - Vocês vão agir também, ou só ficarão observando por enquanto?

Ela prende uma mecha de cabelo atrás da orelha, levantando-se da mesa onde estava sentada e olhando para o relógio antigo pendurado sobre a lareira.

- Já temos os alvos estabelecidos, não? Vamos procurar por informações, comentários ou qualquer outra peça que nos permita invadi-los o quanto antes. - ela diz. - Mas além disso, não é bom demorarmos demais aqui, a própria criadagem já deve estar organizando tudo para o anoitecer.

- Seu primeiro alvo? O Conselho de Ekalyon, após reunirem as informações necessárias. - ele diz, enquanto as luzes voltavam ao normal e o sol começava a se pôr lá fora, com o céu tomando as cores alaranjadas do final da tarde. - Suponho que são capazes de interpretar o sinal para atacar quando o oferecermos? Estão na escola, afinal.

Ela assente com a cabeça, também olhando brevemente para o pôr do sol além das janelas. Hemera retornava ao Mundo Inferior, e Nyx estava preparando-se para sair. Não achava que se acostumaria tão cedo que aqui eram venerados os mesmos deuses que sua terra natal.

- Perfeitamente. - Responde com voz suave. - Nos veremos de novo na próxima vez que uma reunião se fizer necessária.- E tão sorrateiramente quanto chegaram, ela e Melisend somem do palacete.

Ela adentra os aposentos de Aristanae com um carrinho de aperitivos cuidadosamente preparados, tanto feitos com especiarias locais quanto nativos de Thyrmëinn, e o deixa recostado ao lado da grande penteadeira esculpida a mão de carvalho negro que, fora a cama, podia ser a peça central do quarto, com seu espelho negro, ao invés de um comum como a maioria dos outros.

- Saudações, alteza. - ela cumprimenta, juntamente de uma vênia, enquanto se ocupa de abrir, apenas que levemente, as longas e pesadas cortinas do quarto, deixando um pouco de luz naturar entrar. - Como foi a noite? - ela pergunta.

Após abrir as janelas, ela se adianta para a penteadeira, com uma belíssima escova de cabelos em mãos, esperando por Aristanae.

Talvez, para a surpresa de muitos, a cama estava vazia, intocada desde que fora feita no dia anterior. Aristanae estava sentada em uma cadeira de veludo negro com detalhes em prata próxima à lareira morta, a cabeça recostada, um livro esquecido na pequena mesa ao lado, mas não dormia. O dom do sono era um convite ao mundo do esquecimento e dos sonhos, onde o impossível era possível e as leis nada valiam. Era uma fuga, e como tal fora destruída antes mesmo de nascer.

- Clara. Fascinante como todas as outras.- Foi sua resposta simples, até inocente. Contudo, para alguém que fora criada em um mundo em que as poucas horas de noite eram uma escuridão tão completa e profunda, onde não se enxergava as próprias mãos, o céu estrelado e a lua desse mundo eram um fascínio. Luz e Sombra coexistindo. Erguendo-se, caminhou até a penteadeira, sentando-se na cadeira disposta para si.

A ideia de alguém tocando em si lhe dava arrepios– e se algo acontecesse? E se adoecessem? Não, naão podia pensar nisso. Não ia adiantar de nada, eles sabiam o preço e ainda assim fora convocada.

Era possível ver que seus olhos não possuíam, ou captavam, luz sequer, então a ideia de dia e noite já passara, há muito tempo, de ser uma mera frivolosidade, mas isso não os deixava menos penetrantes. Assim que Aristanae sentou-se na penteadeira, pôde ouvir a rápida mudança na respiração que indicava um pico de ansiedade, para não falar na rápida sequência de batidas irregulares do coração. Ainda assim, a rapidez como tentara se recompor era admirável.

- Não há com o que se preocupar. - ela diz, de forma que, em outras circunstâncias, poderia soar de formar reconfortante. - As medidas necessárias foram tomadas para garantir seu conforto. - assegura, começando a pentear seu cabelo cuidadosamente. - Vossa discrição é impressionante, mas não deixa de passar uma ideia de... receio. Haveria algo lhe reprimindo?

Ela suspira, relaxando com as palavras de Heradis. Saber que ninguém adoeceria ou cairia morto por causa da sua maldição era algo tão distante e irreal que mal conseguia acreditar ser verdade.

- Não gostaria de ver todos os que habitam o palácio caindo doentes ou até mesmo mortos por minha conta.- Respondeu com sinceridade, levantando a mão e deixando a luz brincar em seus dedos, iluminando o quarto. Era reconfortante, saber que mesmo aqui um fragmento de casa, de Auraia, estava consigo.- Além disso, receio... É bom. Desarma.- Ou pelo menos, fora o que lhe havia sido dito. Vendo-a tão quieta, e silenciosa, e hesitante, quem imaginaria que poderia matar com um balançar de uma mão, com a luz escaldante do sol?

A luz nas mãos de Aristanae refletiram sem resposta em seus olhos, e ela só podia supor estar acontecendo algo relacionado com magia, a julgar pelos movimentos das mãos da jovem à sua frente que sentia através do ar. Ouviu as palavras com atenção, em um silêncio que ainda se extendeu por alguns segundos.

- Ao mesmo tempo que prejudica, confunde e distrai. - ela alerta, sem necessariamente um tom ameaçador na voz. O que não deixava nem um pouco mais reconfortante. - Zelamos pelo cumprimento de vossos objetivos, e que nossa aliança não seja esquecida. - ela continua, e termina de pentear o cabelo de Aristanae, arrumando-o com duas mechas puxadas da lateral que se uniam no centro da parte de trás da cabeça.

- Não será.- Ela diz baixo, com mais calor e firmeza do que geralmente colocava em suas palavras. Era uma promessa, a si mesma e a todos que vieram antes de si, uma oportunidade que jamais permitira escapar por entre seus dedos.- Algum evento ao qual teremos de fazer parte hoje?

Ela se preocupa em separar uma roupa para o dia de Aristanae, além de guardar os utensílios para arrumar o cabelo utilizados cuidadosamente, sem por um minuto errar qual o devido lugar de cada um.

- Hoje? Nada. - ela responde calmamente, como se não fosse grande coisa. - Nada de importante, por enquanto. Haverá uma recepção no Hall das Embaixadas, que procurará discutir as primeiras impressões dos eventos mais recentes, mas os Lhäsfrein eos'Dasaförv não receberam um convite. No entanto, dados aos eventos em mente, a situação certamente será diferente amanhã.

A luz desaparece de suas mãos e ela olha a ponta dos dedos, recobertos pelas luvas negras para lhe passar um semblante de conforto.

- Entendo. - Foi a resposta simples, colocando as mão no colo. - Quem vai realizar o primeiro movimento?- Questiona. Parte de si não gostava de ficar sentada aqui, simplesmente esperando, sem ajudar, mas cada um deles tinha algum papel a cumprir, e esse fora o designado para si.

Após organizar todos os preparativos para o banho no outro quarto que compunha a suíte da princesa imperial, ela volta até a presença de Aristanae. Não tinha pressa para responder as perguntas, especialmente aquelas em que não faria muita diferença saber a resposta antes da hora - pelo contrário, às vezes o sigilo era melhor, caso alguém porventura decidisse interferir.

- Ninguém em Ekalyon, suponho. - ela responde com suavidade. - Por mais que não possam interferir, as investigações poderiam facilmente encontrar a ausência de um aluno ou escutar da ausência de um nobre estrangeiro que não foi convidado para uma das mais importantes reuniões nos últimos anos. A cautela foi um elemento que pesou na decisão, imagino. - ela conclui, sem dar a resposta com muita certeza, até porque não possuía forma de se comunicar pessoalmente com os integrantes restantes em Shyamal.

Isso só deixava os outros três como opções, deduziu em silêncio, erguendo-se da sua cadeira e indo em direção ao outro cômodo, onde um banho quente a aguardava e não pôde deixar de soltar um suspiro. Uma banheira com água quente era um dos poucos luxos que possuía durante seu exílio, e um que sempre lhe confortava nos piores momentos... Ainda que a água nos pulmões tivesse tanto efeito quanto a espada dos cavaleiros fantasmas.

-Só resta aguardar, então.- Disse por fim, soltando mais um suspiro.

Bem, havia um grupo que certamente estava pronto para oferecer uma resposta à essa pergunta.



Pelo que seus informantes haviam conseguido extrair no dia anterior, dada a mera chegada dos príncipes imperiais de Thyrmmëin, poucos eram os empregados que continuavam na propriedade após o cair da noite, por insistência dos próprios estrangeiros que só levantavam mais interesse nos segredos que o grande Império do oriente podia guardar - e por esse exato motivo levantava tanto o interesse do líder dos Rozencreux.

- É quase como se estivessem nos convidando a usar a porta da frente. - ele comenta, com um pingo de descrença. Não fazia nenhum sentido que a segurança fosse tão escassa, a não ser que ou o império confiasse o suficiente no próprio mito por trás de sua força, ou muitas armadilhas estavam à espera de qualquer um que ousasse entrar. Gehirn era cético demais para acreditar em qualquer uma das hipóteses.